Como um todo, o homem consiste de dois
discernimentos:
- sua própria existência;
- a existência da realidade.
A existência da realidade está dividida em três partes:
- Necessidade, sem a qual a realidade deixaria de ser. Para tal, é suficiente comer uma pequena fatia de pão seco e um copo de água fria por dia, dormir num banco algumas horas por dia ainda com as roupas vestidas, e nem sequer numa casa, mas num campo ou em certa gruta durante as chuvas para prevenir ficar molhado. Suas roupas, também, podem ser nada senão trapos.
- Comportar-se como burgueses vulgares, mas não se querer assemelhar aos ricos, que têm muitos quartos, mobília bela, boa parafernália, e boas roupas, e não querer comer e beber tudo do modo que os ricos estão acostumados a comer e beber.
- Almejar e exigir no seu corpo a se assemelhar aos ricos. E embora não possa obter o que ele quer, seus olhos e corações estão dedicados a isso, e ele espera e trabalha para o obter, para ser admitido na classe dos ricos.
- Esta existe em todos os anteriores três discernimentos: se ele fez o suficiente para o dia, ele não se preocupa com o amanhã. Em vez disso, cada dia é considerado a sua esperança de vida inteira.
Normalmente, as pessoas estão preocupadas em satisfazer suas
necessidades durante somente setenta anos. Mas passados cento e vinte anos, o
homem não está preocupado com sua provisão. Também, por vezes uma pessoa pensa
que cada dia deve ser novo aos seus olhos, ou seja uma nova criação.
É como uma reencarnação, que a pessoa de ontem reencarnou na
pessoa de hoje e ela deve corrigir tudo o que ela fez no dia anterior, tanto em
boas dívidas ou em méritos, ou seja se ela fezMitzvot [boas acções] ou
transgressões.
Por exemplo, se ela levou algo do seu amigo, ela deve devolvê-lo.
E se ela emprestou algo ao seu amigo, ela deve recebê-lo dele, uma vez que colectar
uma dívida é um Mitzva [singular de Mitzvot], assim deve ela
colectar do seu amigo.
E agora falaremos do amor pelo Criador. Primeiro, um deve
saber que o amor é comprado através de acções. Ao dar presentes ao seu amigo,
cada presente que ele dá ao seu amigo é como uma flecha e uma bala, fazendo um
buraco no coração do seu amigo. E embora o coração do seu amigo seja como uma
pedra, ainda assim, cada bala faz um buraco. E os muitos buracos se juntam num
furo no qual o amor do dador de presentes entra.
E o calor do amor atrai para ele as centelhas de amor do seu
amigo, e então os dois amores tecem uma veste de amor que cobre ambos. Isto
significa que um amor rodeia e envolve os dois, e naturalmente se tornam uma
pessoa porque a veste que cobre ambos é uma única veste. Logo, ambos são
anulados.
É uma regra que toda a coisa nova é excitante e entretém.
Assim, depois de um receber a veste de amor de outro, ele desfruta somente do
amor do outro e esquece-se do amor próprio. Nessa altura, cada um deles começa
a receber prazer somente de se preocupar com o seu amigo, e não se consegue
preocupar consigo mesmo porque cada pessoa pode trabalhar somente onde ela
recebe prazer.
E uma vez que ela desfruta do amor aos outros e recebe
prazer especificamente disso, ela não recebe prazer de se preocupar consigo
mesma. E se não há prazer, não há preocupação e ela não consegue trabalhar.
É por isso que por vezes achais na natureza que durante o
amor aos outros que é excepcionalmente forte, um pode cometer suicídio. Também,
no amor pelo Criador, por vezes uma pessoa está disposta a renunciar ao
supramencionado terceiro discernimento. Posteriormente, ela está disposta a
conceder ao segundo discernimento e então o primeiro discernimento, ou seja
todos os três discernimentos na existência da realidade.
Mas como pode ela cancelar sua própria existência? A questão
é, “Se a existência é revogada, quem receberá o amor?” Mas o Criador concede
amor com poder para desviar uma pessoa do caminho certo. Por outras palavras,
ela deixa de ser racional e quer ser cancelada da realidade pelo poder do amor,
e sua mente racional não tem força para a deter.
É por isso que se questionarmos, “Como é possível que um chegue
a tal estado?” Há uma resposta para isso: “Provai e vede que o Senhor é bom.” É
por isso que a natureza necessita de anulação, embora um não o compreenda
racionalmente.
Agora podemos compreender o versículo, “E vós amareis ... com
todo o vosso coração e com toda a vossa alma e com toda a vossa força.” “Vossa
força” significa a existência da realidade, “Vossa alma” significa sua própria
existência,” e “Vosso coração” é já um grau elevado, ou seja com ambas as suas
inclinações, a boa inclinação e a má inclinação.
Rav Baruch
Ashlag (RABASH), in Dargot HaSulam