Artigo Nº 21, Tav-Shin-Mem-Het, 1987/88
Está escrito no Midrash (VaYikrá, Capítulo 6): “Nossos sábios disseram, 'As nações do mundo não receberam a Torá, uma vez que ela foi dada a partir das trevas. Ele disse sobre eles, 'pois as trevas cobrirão a Terra' (Isaías 60:2). Mas Israel receberam a Torá, uma vez que ela foi dada a partir das trevas, como foi escrito (Deuteronômio 5), ‘Tal como tu escutas a voz a partir das trevas.’ Diz ele sobre eles (Isaías 60): ‘O Senhor brilhará sobre ti e Sua glória será vista sobre ti.’’”
Devemos entender por que a Torá foi dada a partir das trevas e por que as nações do mundo não quiseram recebê-la a partir das trevas. É como se o Criador deliberadamente desse a Torá a partir das trevas para que as nações do mundo não a recebessem. E devemos também entender por que Israel receberam a Torá a partir das trevas.
Primeiro, precisamos de saber o que são as trevas no trabalho. A questão é que porque o propósito da criação foi "fazer o bem às Suas criações," quando a pessoa está satisfeita com a sua vida, é considerado que o mundo brilha para essa pessoa, ou seja que ela desfruta do mundo. Mas se ela não acha satisfação na vida, ela diz, "O mundo escureceu para mim."
É sabido que no trabalho, nós chamamos aos vasos de doação "Israel" e chamamos aos vasos de recepção, "as nações do mundo." Assim, quando a pessoa quer se aproximar do Criador, ou seja usar os vasos de doação, mas não consegue porque o corpo não concorda com isso, uma vez que seu corpo é derivado dos vasos de recepção, nessa altura a pessoa sente que o mundo escureceu para ela, pois ela entende que se ela não puder obter vasos de doação, ela nunca será recompensada com a luz superior, que é a luz de "fazer o bem às Suas criações."
Sucede-se que a escuridão que ela sente de não ser capaz de obter vasos de doação sozinha lhe dá a necessidade de que alguém a ajude a obter esses Kelim [vasos]. Segundo a regra, "Não há luz sem um Kli [vaso], nem preenchimento sem uma carência," sucede-se que agora ela recebeu uma necessidade para a luz da Torá. É como disseram nossos sábios, "Eu criei a inclinação do mal, Eu criei a Torá como tempero."
Portanto, a Torá é dada especificamente aos carentes e essa carência é chamada de "escuridão." Este é o sentido das palavras, "A Torá foi dada a partir das trevas." Ou seja, aquele que sente trevas na sua vida por não ter vasos de doação é adequado para receber a Torá, para que através da Torá, a luz nela o reforme e ele obtenha os vasos de doação. Através deles, ele será adequado para receber o deleite e prazer, pois esses dois estão incluídos na Torá: 1) O Kli - que ele quer doar. 2) Depois ele recebe o deleite e prazer nos vasos de doação.
Inversamente, as nações do mundo não receberam a Torá, uma vez que ela foi dada a partir das trevas. No trabalho, "as nações do mundo" significam que o corpo é composto de setenta nações que querem a Torá não porque sentem escuridão quando não têm vasos de doação. Em vez disso, o seu único desejo são os vasos de recepção e elas não têm desejo de sair desse controle. Elas querem a Torá para adicionarem mais luzes a si mesmas, ou seja mais prazer que aquele que elas recebem das matérias corpóreas. Ou seja, elas também querem o mundo vindouro, como está escrito no Zohar, "Elas ladram como cães Hav, Hav [dá, dá], dá-nos a riqueza deste mundo e dá-nos a riqueza do mundo vindouro." Isto é, a riqueza deste mundo não é suficiente para elas, mas elas também querem a riqueza do mundo vindouro.
Sucede-se que a Torá foi dada especificamente para aqueles que sentem que sua vontade de receber os controla. Eles gritam a partir da escuridão que precisam da Torá em prol de libertá-los das trevas que são o controle dos vasos de recepção, sobre os quais houve uma Tzimtzum [restrição] e ocultação para que nenhuma luz brilhe nesse lugar. Mas esse lugar é a causa para a necessidade de receber a Torá.
Por esta razão, uma vez que a Torá veio por causa da escuridão, a Torá fez duas coisas: 1) "A luz nela o reforma." Depois, a Tzimtzum e ocultação abandonam os seus vasos de recepção porque onde ele tinha vasos de recepção, agora ele foi recompensado com vasos de doação. Este é o sentido das palavras, "E o Senhor brilhará sobre ti." Ou seja, tal como o Criador quer doar, também o homem será recompensado com um desejo de doar. 2) Após ter sido recompensado com vasos de doação, ou seja que lhe foi concedida a habilidade de trabalhar em Lishma [pelo Seu bem], que é chamado "aprender Torá Lishma," quando lhe são mostrados os segredos da Torá, como diz Rabi Meir (no Mishná, Avot). Este é o sentido das palavras, "E Sua glória será vista sobre ti," ou seja a glória do Criador, que é a revelação da Divindade. Ela "será vista sobre ti," pois então a pessoa é recompensada com "A Torá e Israel e o Criador são um."
Porém, as nações do mundo, que não precisam da Torá em prol de saírem da escuridão, que são vasos de recepção, mas em vez disso precisam da Torá em prol de adicionar a riqueza do mundo vindouro à riqueza deste mundo, como foi dito, "Dá, dá," estas pessoas, que estão num estado de "nações do mundo," dizem que não precisam da Torá em prol de libertá-las da escuridão, uma vez que para elas, elas consideram os vasos de recepção para si mesmos como sendo "luz." Em vez disso, elas querem que a luz da Torá entre no receptor.
Diz o versículo sobre elas, "pois a escuridão cobrirá a Terra." Ou seja, elas não serão recompensadas com a luz da Torá pois "a luz da Torá foi dada a partir da escuridão." Por outras palavras, aquele que sente que está no escuro é considerado "Israel", que precisa da Torá em prol de iluminar a escuridão dele. Eles são recompensados com "O Senhor brilhará sobre ti" e "Sua glória será vista sobre ti."
Agora podemos entender aquilo que disseram nossos sábios (Avot, Capítulo 1:17), "Não é a aprendizagem que importa, mas o trabalho." Também, em Kidushin (p 40), disseram eles, "Eles fizeram esta pergunta: 'Muita aprendizagem ou muito trabalho?' Rabi Tarfon respondeu 'Muito trabalho.' Rabi Akiva respondeu, 'Muita aprendizagem.' Todos eles responderam e disseram, 'Muita aprendizagem, uma vez que a aprendizagem conduz ao trabalho.'" Devemos entender suas palavras no trabalho, dado que a literal fornece muitas interpretações para isto.
No trabalho, ou seja quando queremos chegar a trabalhar em prol de doar e não recebermos para nós mesmos, é claro que devemos observar as 613 Mitsvot [mandamentos/boas acções] na prática. Aquele que aprende Torá mas não quer observar as 613 Mitsvot de facto, aprende conhecimento, do jeito que uma pessoa aprende os ensinamentos externos. É como disseram nossos sábios (Eichá Rába 2:17), “Caso alguém lhe disser, 'Há conhecimento nas nações,' acredite. 'Há Torá nas nações,' não acredite." Significa isto que a pessoa pode aprender Torá, mas se ela for um gentio, que não observa as Mitsvot, que faz dela um gentio, então a Torá que ela aprende é chamada "conhecimento" e não "Torá."
Por esta razão, aquele que quer trabalhar em prol de doar deve começar a trabalhar em acção e depois começar com a intenção, ou seja colocar sobre ela a direcção de doar. Porém, como podemos nós alcançar a direcção de doar, uma vez que é sabido que a pessoa consegue trabalhar sob coação, apesar de "seu coração não está com ele." Ou seja, a pessoa pode ser obrigada a trabalhar contra a sua vontade. Ela consegue superar o seu desejo e fazer alguma coisa contra a sua vontade. Todavia, mudar o coração, ou seja mudar o desejo e anseio, isto a pessoa não consegue fazer.
Portanto, uma vez que o homem foi criado com uma natureza de receber somente para si mesmo, como pode ele se direccionar para doar? pois isto é contra a sua natureza! Como pode uma pessoa trabalhar contra a sua natureza e desejo, que são somente para receber? Pode ela se forçar a si mesma e direccionar seu coração com a intenção de doar?
Além do mais, nós devemos saber que a Torá foi dada em prol de purificar Israel. Ou seja, todas as acções que Ele nos deu para fazer são somente em prol de obter esta direcção de doar. Portanto, como podemos fazer o citado, uma vez que não pode haver coação do coração e do desejo?
Baal HaSulam interpretou "que Deus criou para fazer." "Que Deus criou" significa que é sobre isso que o homem deve "fazer," sobre aquilo que Ele criou. Devemos interpretar "Que Deus criou" como sendo que a criação é chamada "existência a partir da ausência," se referindo à vontade de receber. "Para fazer" é relativo às criaturas, que devem colocar sobre ela a direcção de doar. Significa isto que tudo aquilo que as criaturas devem fazer é somente serem capazes de direccionar para doar. Isto é chamado "Que Deus criou para fazer." Isto pertence às criaturas.
Respectivamente, devemos interpretar que as supracitadas palavras, "Muita aprendizagem ou trabalho," não são relativas ao trabalho que os inferiores devem fazer, pois claramente, sem trabalho não há nada, uma vez que primeiro devemos observar as 613 Mitsvot em acção. Em vez disso, devemos interpretar sobre a própria Torá que a Torá é chamada Talmude [aprendizagem]. Portanto, a questão, "Muita aprendizagem ou muito trabalho?" significa que a Torá fala de dois ângulos: 1) Da perspectiva das regras, ou seja de que jeito devemos observaras Mitsvot. Há o problema da medição das Mitsvot. Tomemos os Tzitzit [quatro cantos em franja do xaile] como exemplo. Nós devemos aprender as regras da Halachá [Lei Judaica] sobre o tamanho necessário do Talit [xaile de oração] e os Tzitzit e similarmente em relação ao resto das Mitsvot. Isto é chamado a parte "revelada" da Torá, uma vez que estas Mitsvot são visíveis e você não pode dizer se a pessoa comete erros aqui, uma vez que isso é visível, se a pessoa prestar atenção, ela poderá observar estes Mitsvot adequadamente. É por isso que é chamada "revelada." 2) A parte da Torá que não fala de regras e leis que mantemos através de acções, mas que fala de contos e lendas dos nossos sábios e que não tem conexão com as 613 Mitsvot. A questão é, Que parte da Torá é maior, ou seja mais importante para a pessoa e a qual deve ela prestar mais atenção?
"Aprendizagem" refere-se à parte da Torá que é somente aprendizagem, sem trabalho, uma vez que não falamos da parte prática, como observar. Isto é chamado "aprendizagem," ou seja Torá sem trabalho.
Rabi Tarfon diz que o trabalho é maior. Ou seja, que a parte da Torá que fala de realizar as Mitsvot, que é a coisa principal a saber - as regras que se aplicam às Mitsvot. Rabi Akiva disse que a aprendizagem é maior e todos responderam e disseram como disse Rabi Akiva, "Muita aprendizagem." Por que razão? Pois a aprendizagem conduz ao trabalho.
Nós devemos interpretar aquilo que eles disseram, que a "Aprendizagem conduz ao trabalho." Isso significa que embora seja verdade que o princípio do trabalho esteja na parte revelada da Torá, que fala da observação das Mitsvot, este é somente o princípio, uma vez que a Torá e Mitsvot foram dados principalmente para purificar as pessoas. Significa isto, como está escrito (no ensaio, "Prefácio à Sabedoria da Cabala"), que "purificar" significa sair do controle da vontade de receber para si mesmo e trabalhar somente em prol de doar. Isto é chamado "que Deus criou para fazer." Este trabalho, que é feito sobre a criação, chamado "receber para si mesmo" - colocar a direcção de doar sobre ele, este trabalho é a coisa principal que os inferiores devem fazer em prol de serem capazes de receber o deleite e prazer que o Criador lhes quer dar.
Em prol de alcançar um estado de "trabalho," que significa que a pessoa deve trabalhar somente pelo bem do Criador e não para seu próprio bem, a pessoa consegue ainda superar a parte revelada nas 613 Mitsvot se forçando a si mesma a observar as 613 Mitsvot. Porém, sobre a parte oculta, que é a direcção, isso é algo que é dado ao coração e aqui a pessoa não se consegue forçar a si mesma. Ou seja, se o coração não quer trabalhar e amar os outros, o homem fica desamparado.
Nesse estado, quando a pessoa quer trabalhar pelo bem do Criador e o corpo não concorda, a pessoa percebe que ela não pode trabalhar pelo bem do Criador sozinha. Sucede-se que agora a pessoa aprendeu algo de novo, que ela não sabia antes de ter começado o trabalho de doação: Ela é um ímpio completo, uma vez que ela não quer trabalhar pelo bem do Criador. Antes de ela ter começado o trabalho de doação, ela também sabia que ainda não trabalhava pelo bem do Criador, mas nessa altura ela pensava que não fazia tudo pelo bem do Criador somente devido a negligência e ociosidade, mas que ela teria sucesso em fazer tudo pelo bem do Criador no momento que ela assim quisesse.
Por esta razão, ela não estava preocupada de não o estar a fazer. Ela diria que era por falta de tempo, mas ela estava certa de que estava dentro do seu poder fazer tudo pelo bem do Criador. Há uma regra de que tudo aquilo que a pessoa consegue fazer não a preocupa porque ela consegue sempre fazer isto. Ela atribui não o ter somente devido à visão dos outros.
Mas agora que ela iniciou o trabalho de doação e fez grandes esforços, todavia vê que não está a avançar e pior ainda, após todo o trabalho, ela caiu no desespero, agora ela vê que o mal nela é tão grande que ela decide que o trabalho de doação não foi feito para ela. Este reconhecimento é chamado "ímpio." Ou seja, agora ela sabe que além de qualquer dúvida de que o seu corpo é inflexível e não pode ser mudado para trabalhar pelo bem do Criador. Ela consegue convencê-lo a fazer somente coisas reveladas, na acção e a fazer boas acções. Todavia, o seu coração não está com ela. Portanto, somente agora pode ela determinar que ela tem uma inclinação do mal que é verdadeiramente má contra o Criador, que ela não quer servir ao Criador, mas somente a si mesma.
Quando a pessoa chega a esse estado, quando ela vê que tem inclinação do mal, ela deve acreditar naquilo que disseram nossos sábios, "Eu criei a inclinação do mal, Eu criei a Torá como tempero," uma vez que "a luz nela reforma-a." Ou seja, sendo escravizada pela inclinação do mal, quando foi forçada a trabalhar para o seu próprio bem e não para o bem do Criador, agora, através da luz da Torá, ela é reformada e consegue trabalhar pelo bem do Criador. Isto é chamado "boas acções," ou seja somente doar sobre o Criador e não para seu próprio bem.
Respectivamente, vemos que é impossível doar sem a luz da Torá. Sucede-se que a parte da Torá que a pessoa aprende, que não fala de regras e leis, esta é chamada de "trabalho", como está escrito, "muito trabalho," ou seja a parte da Torá que discute a realização das Mitsvot.
E este é o sentido de "muita aprendizagem," ou seja a parte da Torá que fala de contos e lendas e interpretações dos nossos sábios, etc, a parte da Torá que não é relativa à realização das Mitsvot. Isto é chamado "aprendizagem." Todos eles disseram imediatamente, "Muita aprendizagem," "uma vez que a aprendizagem conduz ao trabalho." Aqui o sentido de "trabalho" refere-se à intenção no trabalho, que é considerado revelado. Ela será capaz de direccionar o coração para trabalhar pelo bem do Criador e isto é chamado "trabalho," como está escrito, "que Deus criou para fazer." Fazer refere-se ao coração, para que o homem tenha a força para trabalhar, para que o coração queira trabalhar pelo bem do Criador.